sábado, 3 de abril de 2010

A CIDADANIA E SUAS FORMAS NA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA


LABORATÓRIO DE ENSINO DE SOCIOLOGIA



A CIDADANIA E SUAS FORMAS NA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

Segundo Tomazi (1997, p.111) encontramos nos dicionários o significado da palavra cidadania mais ou menos parecido com este: “Cidadania é a qualidade ou estado de cidadão, isto é, de um indivíduo no gozo dos seus direitos civis, políticos e sociais no interior de uma nação e no desempenho dos seus deveres para com o Estado”. Contudo, isso não explica muito como essa idéia se converteu em práticas nos diferentes contextos históricos dos diferentes países. Originalmente, cidadão era “aquele que vivia nas cidades”, porém, esse conceito foi sendo modificado e ganhando conotação política, associado aos modelos de Estado e de Democracia, criados a partir das Revoluções Burguesas (Revolução Inglesa, 1699/ Revolução Americana, 1779 / Revolução Francesa, 1789).

Nesse sentido, as formações dos Estados Nacionais na Europa, consolidados com o capitalismo, no século XIX, pontuaram diferentes fases para a compreensão do que seria cidadania e de quem seria considerado cidadão. Na Inglaterra, por exemplo, durante os anos de 1800 em diante, os industriais, a nova classe social dominante, ou seja, a burguesia e os banqueiros é que eram considerados cidadãos pelo Parlamento Inglês e pelo Monarca. Pela renda da pessoa se definia sua cidadania. Dessa forma, cidadão era o proprietário (de terras, fábricas, bancos). Nesta mesma época, aqui no Brasil, século XIX, a cidadania política era totalmente restrita aos proprietários de terra e de escravos. Basta lembrarmos do tal voto censitário, baseado na renda e na propriedade das pessoas, ou seja, votavam apenas os ricos e poderosos.

Como e por que esse conceito de cidadania baseado nos interesses da burguesia foi alterado?

A forma de compreender a cidadania foi alterada através das lutas sociais, lideradas pelas classes sociais que se sentiam excluídas dos direitos civis e dos direitos políticos, proclamados como sendo universais. Os trabalhadores das primeiras fábricas da Inglaterra começaram a se revoltar com sua situação econômica e com sua falta de poder de decisão. Os trabalhadores franceses também lideraram inúmeras revoltas, assim como ocorreu em vários outros países.

Segundo T. H. Marshall (1967), um cientista político inglês, a luta pela cidadania tem três momentos básicos, no contexto da Europa.

O primeiro momento ocorre no século XVIII, em que explodem as Revoluções Burguesas que derrubam as Monarquias Absolutistas, destruindo os restos do sistema feudal. Neste momento, a burguesia , como classe social em crescimento, consagra os direitos individuais, como a grande conquista da sociedade. Eram os direitos civis, de ir e vir, de propriedade privada, de liberdade de expressão, de religião, de competição, etc. Tais direitos, na verdade, diziam respeito única e exclusivamente à burguesia e nada mudavam a condição de exploração e dominação da nascente classe trabalhadora, que não tinham acesso, por exemplo, aos direitos políticos de votar e ser votado, restritos apenas aos burgueses, pois quem podia participar das Repúblicas Burguesas, eram apenas os que dispunham de um nível elevado de renda. Predomina, então, a cidadania civil.

Os trabalhadores lutaram muito e conquistaram os direitos políticos já no século XIX. Isso marca o segundo momento da cidadania, segundo Marshal. Os trabalhadores conquistam o direito de organizar-se em sindicatos, em partidos políticos e de participar do Parlamento, de votar e ser votado. Isso ocorreu de maneira diferente, em datas diversas em cada país, ou seja, os direitos políticos foram mais ou menos ampliados dependendo da realidade política de cada país. Esta conquista marca a fase da cidadania política, fundamental para os trabalhadores poderem se firmar como sujeitos de direitos.

Com a ampliação das organizações dos trabalhadores tanto em sindicatos como em partidos políticos, na Inglaterra, na Alemanha, na França, na Rússia, entre outros, começam a surgir projetos políticos divergentes entre os próprios operários. No exercício da política, alguns trabalhadores e alguns líderes políticos passam a criticar a participação política no parlamento, acusando que essa forma de inclusão dos trabalhadores era enganosa, não levava a uma libertação da exploração da burguesia. Surgem os Partidos Comunistas e Socialistas que pregam a Revolução no lugar da participação pontual no Estado burguês. Dos partidos comunistas, o único que chegou ao poder foi o da Rússia, que criou então a extinta URSS (União Soviética), em 1917.

Este fato encheu a burguesia européia de temor diante das organizações dos trabalhadores, motivando-a a ampliar o atendimento aos pedidos de ampliação dos direitos políticos e sociais dos trabalhadores. Nasce, então a política de conciliação entre capitalistas e trabalhadores intermediada pelo Estado. Inaugura-se, o terceiro momento da cidadania moderna, a partir dos anos de 1920, surge a cidadania social. Nessa fase, os trabalhadores europeus e americanos conseguem uma incrível ampliação dos direitos sociais, tais como: educação pública, saúde, habitação, transporte, lazer, direitos trabalhistas (descanso remunerado, férias, aposentadoria, etc), previdência social, entre outros. A burguesia preferiu entregar alguns anéis do que ter que entregar os dedos, as mãos, ou seja, seu poder total, como tinha acontecido com os ricos na Rússia. Para implantar os direitos sociais criou-se o Estado de Bem-Estar Social. Em países como Dinamarca, Suécia, Noruega, Suíça, França, Inglaterra, e outros, os direitos sociais ampliaram-se muito até 1975.

No Brasil, e nos países pobres, nunca alcançamos uma ampliação expressiva dos direitos sociais. No período de 1937, em diante ocorreu uma ampliação dos direitos trabalhistas, porém, uma retração nos direitos políticos, pois, vivemos a ditadura de Getúlio Vargas.

No nosso país, temos tido muita oscilação no processo de expansão das três formas de cidadania: cidadania civil, cidadania política e cidadania social. Vivemos períodos de surtos de desenvolvimento econômico, em que tivemos a ampliação da cidadania social, como nos anos 1950 e 1970, porém, nos anos de 1970, vivemos uma restrição fortíssima da cidadania política.






Continuando a história da cidadania, seguindo o raciocínio de Marshall, pode-se dizer que entramos numa quarta fase, a parti de 1975, quando os capitalistas começam a destruir as bases do Estado de Bem-Estar Social, atacando todos os direitos sociais conquistados e reduzindo a cidadania aos modelos do século XVIII, cidadania civil e do século XIX, cidadania política. Ou seja, inicia-se no mundo inteiro, uma ofensiva dos ricos para acabar com os direitos sociais, privatizando tudo novamente, a educação, a saúde, o lazer, retirando os direitos sociais dos trabalhadores, agora chamados de “privilégios”. Margaret Tatcher e Ronald Regan são os líderes dessas reformas, que restringiram em seus países, Inglaterra e EUA, os direitos sociais.

Suas receitas de reformas foram disseminadas pelo mundo inteiro, chegando até aqui no Brasil, com Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Assim, nós nem conseguimos atingir a cidadania social plena e já estamos saindo do seu rumo.

Nessa quarta fase, há um retrocesso, um atraso, no avanço dos direitos sociais dos trabalhadores e a cidadania é transformada em cidadania do consumidor, do cliente. Basta ver como a mídia brasileira comemora o Código em Defesa do Consumidor e estimula os pobres a serem cidadãos em dois sentidos apenas: quando consome e pode reclamar do produto; e, quando vota nas eleições. A cidadania civil e a cidadania política são reduzidas à cidadania do consumidor.

Temos muito que fazer para retomar o rumo da cidadania política e da cidadania social, essa última, sim, faz algum sentido político para a maioria da população. Cidadania é ter direito a brigar por mais direitos sociais, mesmo que eles tenham que passar por cima dos interesses do capital. O nosso limite está nas leis de acumulação do capital. Onde o lucro é a prioridade, a cidadania está sempre na corda bamba, às vezes até agonizante, como um doente no leito da morte.









REFERÊNCIAS:

MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967;

TOMAZI, Nelson D. Sociologia da Educação. São Paulo: Atual, 1997;

SADER, E; GENTILI, Pablo (orgs). Pós-neoliberalismo: As Políticas Sociais do Estado Democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.







FONTE: SILVA, Ileizi L. F. A Cidadania e suas Formas na História Contemporânea. Londrina: Laboratório de Ensino de Sociologia; Depto. Ciências Sociais da UEL, 2003, mimeo 3pp





Questões :



Explique de qual forma ( como? ) a cidadania foi sendo ampliada ao longo do tempo ?

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